domingo

A educação ambiental na perspectiva da paz


A Educação Ambiental é um tema recorrente em meus artigos. Isso porque acre -dito que a compreensão dessa temática ainda ocorre de maneira parcial e por vezes equivocada, denotando um certo reducionismo ecológico, limitando em grande parte à internalização dos valores de conservação da natureza. Essa visão se restringe a destacar alguns dos problemas mais visíveis da degradação ambiental, como a contaminação dos recursos naturais e serviços ecológicos, tais como o manejo do lixo e a deposição de dejetos industriais.Tal inserção, por seu caráter simplificador e restrito, está longe de promover a compreensão da riqueza e diversidade da vida e dos conflitos que ela engendra. Trata-se de uma abordagem romantizada do saber ambiental, em que a natureza é concebida como intocável e a interferência do homem na transformação dos espaços como a mais terrível mácula.
A necessidade de compreender a complexidade da problemática ambiental, bem como os múlti-plos processos que a caracterizam, é um desafio enfrentado por Guattari em sua obra As Três Ecologias de 1990. Nela o autor aborda a questão ambiental para além das concepções naturalistas ao deslindar a constituição do saber ambiental em três dimensões: a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana. As três vias da Ecosofia precisam ser compreendidas como distintas, do ponto de visto da concepção teórica, no entanto interdependentes no que tange à ressignificação prática. Isso quer dizer que embora concebidas em domínios distintos — ambiental, social e mental — , estas três dimensões não representam territórios fechados e estáticos. Ao contrário, conservam suas especificidades e capacidade de estabelecer conexões infinitas à medida que os desafios da práxis humana exigirem.
A ecologia mental ou a ecologia da subjetividade humana versa sobre a relação do sujeito com ele mesmo, com seu corpo, com o tempo, com os mistérios da vida e da morte. Implica na busca da ousadia de resistir às tendências homogeneizantes no campo estético e das manipulações político-ideológicas. Quer na vida individual ou coletiva, a ecologia mental procura reapreciar a cultura, a vida cotidiana, o trabalho e o esporte em função de critérios diferentes daqueles do rendimento e do lucro. É a dimensão da paz consigo, da tolerância e admissão das próprias características físicas e heranças étnicas. É o aco-lhimento e cuidado com a própria vida. Despoluir o meio ambiente, mas considerar igualmente a despoluição do próprio corpo. É ensinar a importância da preservação das características de cada bioma, bem como assumir as características étnicas. Aceitar o ambiente em escala macro pode começar “a partir de meios os mais minúsculos”.
A ecosofia social diz respeito à possibilidade de desenvolver práticas específicas na recriação de modos de ser no seio dos diversos grupos sociais. Refere-se à reconstrução das relações humanas em todos os níveis do socius na promoção de um investimento afetivo e pragmático em grupos humanos de diversos tamanhos. É um Eros de grupo que tenta renovar literalmente o conjunto das modalidades do ser-em-grupo, tanto no âmbito dos grupos maiores (sindicato, associações, igrejas instituições educacionais...) quanto no seio da família, do casal, da vizinhança, do contexto urbano, do trabalho etc. No âmbito educacional, a ecologia social pode ser concebida como o ser e o estar com o outro, como um convite à tolerância em todos os seus aspectos. A educação ambiental precisa abarcar também a esfera da valorização da paz como bem coletivo e essencial à reconquista da confiança na humanidade. Não há meio para o alcance de outras opções de desenvolvimento ambiental se os homens não forem capazes de se solidarizar primeiramente com seus pares. Ainda é de se admirar que ONG’s gastem mais com a campanha de salvamento das baleias azuis do que a ONU para minorar a fome e a miséria na África. Como falar de respeito à natureza se o respeito ao próximo não é cultivado no espaço escolar? É inconcebível que a preservação da natureza ande na contramão da preservação da vida humana.
O princípio particular à ecologia ambiental é a consideração da centralidade das intervenções humanas na garantia do equilíbrio natural. A ecologia ambiental acredita na iminência de qualquer tipo de catástrofe, mas crê, igualmente, nas evoluções flexíveis que podem abrandá-la. Na dimensão ambiental, entram em cena não apenas a defesa da natureza, mas a luta em prol da qualidade de vida, da sustentabilidade, dos direitos e da democracia ambiental na reapropriação social da natureza. É conceber a natureza em diálogo com a cultura, pensando “transversalmente” as interações entre ecossistemas, mecanosfera, e Universos de referência sociais e individuais (Guattari, 1990).
Essas três vias estão embaralhadas na tripla visão ecológica. Uma educação ambiental, no sentido integral e holístico do termo, precisa encarar o desafio de educar na perspectiva ético-política da ecosofia. Isso significa ampliar os horizontes de compreensão da Educação Ambiental no sentido de empreeender uma jornada que enfatize os procesoss de ensinar a aprender, voltados para o cultivo da paz em seus mais variados domínios: a paz consigo, a paz com o outro e a paz com a natureza. Ênfase e esforço que culminarão na lenta, porém gradativa conquista de modos de vida mais singulares, ambientalmente justos e socialmente equilibrados.


Márcia Carvalho