sexta-feira

Natureza e cultura


Sempre vi tucano em zoológico, comendo elegantemente frutas. Com a ponta do bico amplo e levemente arqueado, segura o pedaço de mamão e joga-o para o ar, apanhando-o à descida, com o bico já aberto. Simpático e bonito, este bicho, apesar de um pouco desengonçado, talvez pelo bico tão grande em relação ao corpo.
Porém, recentemente, observando tucanos livres na copa do pinheiro araucária em um Parque Estadual do sul do Brasil, descobri que eles também comem carne, quando vi um deles com um filhote de passarinho no bico.

Compartilhando com a bióloga do Parque a minha estranheza, ela informou que bandos de tucanos costumam espantar os pais de pássaros que alimentam os filhotes em seus ninhos para atacar os recém nascidos, indefesos. Segundo disse-me, ao assistir esta cena, os tucanos a constrangeram tanto que passou a gostar menos deles, em seu sentimento de defensora da natureza, dos bichinhos indefesos e dos oprimidos.

Neste sentimento um componente cultural se interpôs ao natural, que é naturalmente o tucano fazer parte de uma cadeia alimentar, em que na condição de onívoro, ocupa as posições de herbívoro e carnívoro, sendo, portanto, consumidor primário e secundário. Mas o nosso olhar ético, e até estético, gostaria de não enxergar animal tão simpático e bonito, invadindo lares alheios, roubando o que mais é valioso aos pais e dilacerando presas que sequer compreendem o que está acontecendo.
Já em relação a nós humanos civilizados, damos um desconto, aceitando mais facilmente comer um churrasco de boi, mesmo suspeitando que ele tenha sido sangrado vivo para não coagular o sangue em sua carne saborosa, ou que, dias antes de ser morto, fez jejum forçado, já que as últimas ingestões de capim e farelo não mais se transformam em carne, para venda.

Mas, voltando ao ambiente que chamamos de natural, me vem a pergunta: onde está a harmonia da natureza, na qual reconhecemos o equilíbrio e a justeza da vida, onde cada espécie tem um lugar nobre e deve ser defendida em seu direito intrínseco de existência? Com certeza está na relação das abelhas com as flores, que trocam néctar por polinização, mas também dentro da colméia, quando todas as larvas de pré-rainhas (inicialmente bem alimentadas no favo com geléia real na potencialidade de vir a ser rainha) são mortas após a primeira virar adulta, para substituir uma rainha moribunda ou fundar uma nova colméia. Está também na relação entre o carcará e o mocó na Caatinga, aparentemente negativa para a presa mocó e positiva para o carcará predador.

Isso porque a simbiose, o comensalismo, o parasitismo e o predatismo, são faces do mesmo equilíbrio, onde a evolução de uma espécie não se dá sozinha, mas na relação com as outras. Onde os fluxos materiais e energéticos acontecem por múltiplos caminhos, mesmo que um indivíduo coma o outro, garantindo assim, o equilíbrio das populações e o ciclo biogeoquímico.

A natureza em si, é desprovida de ética - porque esta é cultural, humana - mas se aperfeiçoa na evolução darwiniana, tendendo a formar sistemas naturais mais complexos e estáveis, à medida que coevoluem.

Quanto a nós humanos, a questão se diferencia. Nós quebramos o paradigma da evolução darwiniana, onde a domesticação das plantas e animais, o desenvolvimento da medicina e o caráter preditivo dos eventos extremos, nos dão a oportunidade de não mais seguirmos os caminhos da seleção natural.
Isto em conseqüência da cultura, entendida como apropriação dos elementos naturais pelo poder da análise e da tecnologia, que nos situa como manipuladores da natureza como um todo. O que nos coloca em outra condição, reconhecidamente antropocêntrica, que nos conduz a exigências éticas (individuais) e nos impõe regras morais (pela sociedade). Sem falar nas implicações estéticas e sentimentais.

Temos, portanto, responsabilidade ética, moral, estética e sentimental, de respeitarmos os processos naturais enquanto garantidores da evolução dos outros seres vivos, e ao mesmo tempo, respeitarmos e valorizarmos a diversidade cultural, de pensamento e de criação, desde que esta não inflija perdas dos valores anteriores.


Por Ricardo Braga.

quinta-feira

“A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas”


“A natureza é o único livro que oferece um conteúdo valioso em todas as suas folhas” - Johann Goethe

Meio ambiente é o conjunto de forças e condições que afetam diretamente o metabolismo ou o comportamento dos seres vivos e das espécies em geral. É formado por fatores abióticos, como clima, luz, ar, água, solo e energia; por fatores bióticos, como a flora e a fauna; e pela cultura humana e seus paradigmas – valores filosóficos, políticos, morais, científicos, artísticos, sociais, econômicos, religiosos, o modo de vida em sociedade e a educação. A constante interação evolucionária desses fatores forma o meio ambiente.

As florestas e os oceanos funcionam como os pulmões do planeta, inalam dióxido de carbono e exalam oxigênio, que atua como o sangue do sistema Terra. A água é o ciclo hidrológico da vida humana e terrestre e existe na mesma proporção nos dois corpos. A superfície terrestre é como uma pele humana, uma camada pouco espessa, porém essencial. Essa pele parece ser fina e frágil, mas protege o planeta por ela coberto. Em analogia com a pele humana, é também o maior órgão do sistema terrestre e desempenha complexas funções de proteção, interagindo com a atmosfera volátil e com a terra que envolve. Esses itens vitais à vida estão doentes e necessitam de intervenção para uma breve recuperação.

O aumento populacional exponencial e o grande consumo de energia após a Revolução Industrial, mormente nos países desenvolvidos, provocaram agressões antropogênicas ao meio ambiente que, em contrapartida às mudanças naturais, ocorreram em pouco tempo, em décadas, e deixaram muitas sequelas. A capacidade de absorção de agressões ambientais do planeta, quando ultrapassada, provoca grandes catástrofes. É difícil conhecer com precisão os limites dessa capacidade, dada a complexidade de variáveis envolvidas, fazendo-se necessário, então, adotar uma postura de precaução que poupe os recursos naturais.

A sustentabilidade ambiental é um dos três maiores desafios mundiais, juntamente ao subdesenvolvimento e à segurança. A melhoria da qualidade do meio ambiente e a preservação das fontes de recursos energéticos e naturais para as próximas gerações é obrigação de todos os habitantes do planeta. Em tempo de guerra, aceita-se sem questionar a mais severa das privações e oferece-se prontamente até mesmo a vida em sacrifício, mas parece que, diante desse problema tão sério, a humanidade ainda vive em um mundo onírico. O planeta Terra está em desequilíbrio ambiental, enfermo e com sua progênie comprometida. À medida que o ser humano emporcalha o ar e confunde ecossistemas naturais, o passivo ambiental só se faz aumentar.

Os caminhos que levaram civilizações ao fracasso ou à ascensão e ao declínio estiveram vinculados às mudanças climáticas, majoritariamente provocadas por ações humanas de devastação florestal, que provoca processos erosivos no solo, e pelo uso intensivo de recursos naturais, sem o necessário tempo de restauração dos ecossistemas.

O ser humano possui a capacidade de racionalizar as questões, assimilá-las e, com a experiência anterior, encontrar soluções baseadas em observações próprias. Essas observações devem ser utilizadas para se construir toda uma sequência lógica, apta a superar uma determinada dificuldade, e, depois disso, transmitir a experiência adquirida para novas situações, formando uma cadeia de progresso que solidifica o grupo, tornando-o apto e forte para enfrentar novos desafios.

A sustentabilidade ambiental clama pela construção de novas regras, que estão lentamente tomando corpo por todo o mundo. Com a crescente conscientização ambiental, a sociedade organizada, de olho no passado, deve evitar seus erros e tomar as lições positivas como alicerces de convívio futuro, em busca da construção de uma sociedade sustentável.

O maior desafio com relação à água não está diretamente ligado ao aquecimento global, mas sim ao vultoso desperdício e à distribuição das bacias hidrográficas, abundantes, porém desiguais, com relação à distribuição da população: o Brasil possui 12% de toda a água doce do mundo, e tão somente a Amazônia concentra 73,6% desse volume. O crescente processo de urbanização provocou aumento da demanda por água de uso doméstico, e a poluição causada pelos detritos lançados nos rios e lagos prejudicou o tratamento e o sistema de saneamento. Faz-se necessário investir em educação ambiental no trato da água, em redes de distribuição de água potável limpa e saneamento básico. Isso garantirá que 3 bilhões de pessoas (quase metade da população mundial) tenham acesso a esse produto essencial à vida.

O Brasil tem enorme potencial para participar de forma ativa e em posição de destaque na batalha global contra as mudanças climáticas. Possui uma posição privilegiada entre os países mais desenvolvidos do mundo e atingiu esse patamar sem emitir o montante de GEE, originários dos combustíveis fósseis, de outros países industriais.

Apesar de também causarem impactos ambientais de amplitude e emitirem GEE, as usinas hidrelétricas produzem energia relativamente limpa, que responde por grande parte da matriz energética brasileira. Deve-se sempre comparar os benefícios que a energia pode trazer versus os custos sociais e ambientais de sua geração.

Sustentabilidade ambiental significa a manutenção dos estoques da natureza, a garantia de sua reposição por processos naturais ou artificiais. Significa a busca pelo equilíbrio, pela capacidade regenerativa da natureza ou, ainda, pela capacidade de suporte dos ecossistemas, de sua resiliência.

O crescimento econômico sustentável neste século, juntamente ao incremento da qualidade de vida de todos os habitantes do planeta, só é possível se comunidades cooperarem e participarem ativamente com mudanças de atitude e valores. Dessa forma, pode-se criar um novo paradigma ambiental, com o uso bem planejado e eficiente dos limitados recursos ambientais energéticos e também do desenvolvimento de novas tecnologias e fontes de energia renováveis em prol da criação de uma sociedade sustentável.


Rodnei Vecchia.