sábado

593 quilômetros quadrados de florestas abatidas


Venho exercitando neste espaço semanal a intenção de oferecer ao leitor uma opção diferente das demais páginas que ele usualmente percorre no jornal diário e está comodamente habituado a encontrar. Algo, modestamente, mais próximo da liberdade literária que a crônica permite, onde às vezes, no meu caso, um pouco de realidade entrecruza a ficção.

Hoje, no entanto, finco o pé na terra para falar de um grande susto. A notícia teve repercussão nacional e internacional (acho que não tanto quando deveria) nesta semana e acho que o título da Agência Estado foi o mais preciso: "Mais do que quintuplicou o ritmo das motosserras na Amazônia".

Desde que comecei a prestar a atenção nas estatísticas regulares de desmatamento na Amazônia, divulgadas depois do que é computado via satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), cada vez que sai um boletim fico mais assustado, porque são centenas de quilômetros de árvores abatidas regularmente e "oficialmente".

E, desta vez, foi muito além da média. No bimestre março-abril, os satélites registraram o corte de 593 quilômetros quadrados de florestas, extensão equivalente a mais da terça parte da cidade de São Paulo. A destruição cresceu 473% em relação aos mesmos dois meses do ano passado. Preste atenção no que é isso.

Não consigo assimilar como esses números são divulgados no mesmo tom de um índice mensal de inflação, de reajuste de aluguel ou de taxa de desemprego. E é inadmissível que isso entre num ouvido e saía no outro como uma notícia banalizada em meio a tantas que chegam, chamam a atenção e logo caem no esquecimento. É preciso que haja uma mobilização mundial para que se interrompa essa destruição descontrolada de um patrimônio natural do planeta. Está aí uma ação para a ONU e também para a Guarda Nacional.

As notícias dão conta de que esse ataque recente teve maior concentração no Mato Grosso. Também que o Ministério do Meio Ambiente criou agora um gabinete da crise, direcionando 500 fiscais para conter essa devastação. E ainda que haveria uma relação desse aumento de corte de árvores com a votação no Congresso do novo Código Florestal, uma vez que proprietários de terras estariam desmatando na expectativa de serem futuramente anistiados pelas reformas no Código.

Todas essas consequências divulgadas após o fato em si, me cheiram a esvaziamento de uma consciência da necessidade de uma decisão mais radical e reversiva desse processo de derrocada da Floresta Amazônica. Quando digo que fico assustado, é o mesmo sentimento que tenho (e acho que muita gente tem), em relação às grandes tragédias que vêm ocorrendo no mundo, como recentemente no Japão, na escola do Rio de Janeiro ou nas enchentes em Nova Friburgo. Só que, no Brasil, como a floresta é muito grande, transcorre paulatinamente, aos olhos de todo mundo, sem que haja uma comoção e uma tomada efetiva de atitude. As conseqüências virão adiante e nem tão distantes assim.

Toda vez que ouço falar que daqui a um tempo não haverá mais água disponível, penso nas gerações que sofrerão esse problema, pois acho que não estarei mais por aqui quando isso ocorrer na abrangência que proclamam. Porque sem luz a gente se vira, mas sem água?!
Cientistas já alertaram que as consequências para o planeta da falta de uma reserva verde como a Amazônia, com toda a sua biodiversidade, serão ainda mais nefastas. E as pessoas parecem encarar isso como aqueles minutos em que a luz cai dentro de casa, você acende a vela (quando tem em casa e encontra), liga para a companhia energética e fica esperando a religação.

Um agravante a mais é que o governo reconhece que os índices divulgados do desmatamento não estão próximos da exatidão. Na última aferição do Inpe, por exemplo, o Pará, Estado que disputa a liderança do ranking do desmatamento, estava sob nuvens, o que impediu o registro dos satélites.

As grandes tragédias têm a capacidade de catalisar a atenção das pessoas, mesmo que momentaneamente. A defesa da Amazônia precisa gerar uma revolução planetária do bem. Essa destruição não pode ser engolida como uma estatística que vai embora ao se apertar o botão de descarga.

Por Júlio Assis.

domingo

Código Florestal


Nas primeiras décadas do século passado, o Brasil era considerado um país essencialmente agrícola.
Hoje, com uma população quadruplicada e com uma expansão industrial reconhecida internacionalmente, continuamos com um grande crescimento em nossa agricultura.
Percebe-se, então, que, no Código Florestal vigente, a agricultura não sofreu nenhum tipo de prejuízo. Até ao contrário, além de continuar atendendo as nossas necessidades, transformou-se em um dos grandes exportadores de grãos e, em especial, de soja.
O que os latifundiários desejam mais? Desejam, pela proposta, mudar o Código Florestal exatamente em pontos fundamentais que protegem florestas, matas nativas, morros, mananciais, mangues e rios.
Vê-se, todos os dias, nos noticiários, o crescimento irracional das devastações e das queimadas de florestas, matas nativas cortadas, arroios e rios desviados, rios poluídos, bem como restingas e margens de rios aterrados. É uma farra em agressões contra a natureza.
Querem terminar com topos de morros que, junto com as várzeas, serão reduzidos de tal modo que nada ficará a preservar. E esse processo já está acontecendo.
Estes desmoronamentos e estas enchentes recentemente acontecidos em Santa Catarina e Rio de Janeiro são uma prova incontestável da intervenção maligna do homem junto à natureza. E aí, acontece isso que vê!
A redução das margens dos recursos hídricos de 30 para 15 metros, com a devastação das margens ciliares, certamente provocará a sua erosão e, certamente, esta será a lógica contínua dos acontecimentos: enchentes e devastações das áreas envolvidas.
Todavia, não é isto que os latifundiários desejam. Desejam, sim, é a diminuição dos percentuais nos índices aplicados em áreas com mata nativa pela Reserva Legal, bem como a isenção de multas aplicadas aos infratores pela queima e pelo corte dessas matas e, principalmente, pela reposição florestal das áreas atingidas, exigidas na proposta atual.
Com isso, esses latifundiários acrescentariam às suas áreas de atividades milhões de hectares oriundos de matas nativa, ainda preservadas por lei.
Vê-se, de pronto, que a barganha pelos índices, junto aos recursos hídricos, em verdade, trata-se de uma grande estratégia para mascarar o desejo maior dos “coronéis dos campos”.
A agricultura sob o regime do atual Código Florestal não está sobre nenhum tipo de ameaça. Quem está sob ameaças com a nova proposta é a Natureza.


Diniz Maciel da Silva